terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Longe dos pais, sem namoro e com acesso restrito à internet: saiba como é a vida em um colégio interno

G1 visitou o maior internato da rede adventista no Brasil; MEC, no entanto, não possui dados oficiais sobre escolas que funcionam neste regime no país.

Por Vanessa Fajardo, G1
 
Saiba como é a vida em um colégio interno
Quem acha que os internatos ficaram apenas na memória dos idosos ou no imaginário dos pais repressores, engana-se. Eles existem e abrigam muita gente. O que ficou para trás, no entanto, é o rótulo de reformatório ou local para corrigir jovens indisciplinados. Morar só com os amigos, quando se tem menos de 18 anos, pode ter um significado diferente.
Para os adolescentes do regime de internato do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp), no entanto, é preciso obedecer regras. Rígidas, na visão de alguns que precisam cumpri-las.
G1 visitou o maior internato da rede adventista no Brasil. Ele é um colégio particular que fica em Engenheiro Coelho, a 160 quilômetros de São Paulo. A escola é moradia para 1.510 alunos, sendo 90 do ensino médio, com menos de 18 anos que precisam, portanto, cumprir determinações mais duras em relação aos demais, que estão na faculdade.
Os adolescentes só podem sair da escola com autorização dos pais. Devem estar de volta ao campus até as 18h, e aos quartos até as 22h. Todos são acordados pela manhã pelos monitores, é preciso estar na escola às 7h15. Os residenciais são separados entre meninos e meninas.
Mesmo quem não é adventista precisa frequentar o culto todos os dias. O contato físico entre os jovens não é permitido, assim como o consumo de cigarro e álcool. As meninas não podem usar joias, pintar as unhas ou usar maquiagem muito carregada. O acesso à internet é controlado, nem todos os sites são liberados. Quem descumpre as regras recebe uma “notificação.”
“Muitos pais acham que internato é para jovem indisciplinado, mas na nossa escola essa imagem se dissolve. Temos regras que podem ser consideradas rígidas, mas são necessárias ", diz o pastor Paulo Martini, diretor-geral da instituição.
Quando não estão no período das aulas, os alunos podem circular pelo campus que possui 260 alqueires divididos em quadras de esporte, centro de lazer, academia, biblioteca, salas de música e até uma fazendinha onde é produzida parte dos alimentos servidos no refeitório.
A mensalidade para o ensino médio é de R$ 2,4 mil – valor que inclui serviços de hospedagem, lavanderia e academia, por exemplo. A maioria dos alunos, porém, consegue uma parcela de desconto ao fazer algum tipo de trabalho na escola, como jardinagem.

Rotina

A rotina começa cedo. Às 6h, os monitores entram nos quartos para acordar os alunos. Eles precisam tomar café antes de ir para a aula, que começa às 7h15. Ao término, às 12h15, os alunos almoçam no refeitório. O cardápio vegetariano nem de longe é unanimidade, e também não é servido refrigerante. Por isso, há quem compre alimentos e produtos industrializados fora do campus.
No período da tarde, as atividades variam: tem esporte, aula de música, idiomas, coral ou reforço escolar. Todo mundo precisa ir ao culto pelo menos uma vez ao dia, até quem não é adventista. Há controle de presença por meio da digital.
A maioria também fica no colégio aos fins de semana, mas os alunos podem sair, acompanhados dos pais. No início, porém, a recomendação é de que ele fique pelo menos seis meses ininterruptamente para facilitar a adaptação.

Conhecimento extracurricular

A maioria dos alunos do ensino médio que está no internato de Engenheiro Coelho é de família adventista, porém isso não é pré-requisito para a matrícula. São aceitos estudantes de qualquer religião, de todas as partes do país e também do exterior.
A família de Brenda Pospichil, de 15 anos, é de Porto Alegre, e ela foi para o internato por vontade própria. Diz que conviver diariamente com pessoas da mesma idade é muito divertido, mas a saudade aperta.
“Sou muito apegada aos meus pais e meus irmãos, foi difícil. Mas aqui você aprende a ser mais responsável, tu sai daqui preparada para a vida. Por outro lado, é muito divertido estar sempre com seus amigos, ir para o almoço, café, jantar, fazer tudo junto", diz Brenda.
Marcia Brenda Quinto Vieira, de 17 anos, está na Unasp desde 2015. A família mora em Breves, na Ilha do Marajó, no Pará. Ela também quis ir para o internato, assim como o irmão.
Neste ano, ela termina o ensino médio e pretende estudar engenharia elétrica na Universidade de São Paulo (USP). Do internato, ela conta que vai levar mais do que o conhecimento aprendido em sala de aula.
"A conexão que você vai ter com a pessoa que mora com você vai ser muito mais forte do que com aquela que você encontra simplesmente para estudar. As personalidades são muito diferentes. Você aprende a lidar com pessoas e isso você leva para toda a vida", diz.
Marcia e Brenda não se conheciam, mas ambas são adventistas e compartilham as mesmas impressões sobre a escola. Durante a entrevista, descobriram outra afinidade: a paixão pelos filmes da saga Stars Wars. "Já que você é fã também, vamos marcar de fazer uma maratona", diz Marcia para a mais nova amiga.
Para Erick Kiss Murguia, de 16 anos, a experiência é uma forma diferente de poder crescer. "Geralmente, os jovens ficam dentro de casa, convivem com os pais toda hora. Aqui você tem de crescer por você mesmo, você acaba criando uma maturidade."

Bolha?

Mas nem todos se adaptam às regras da Unasp, seja por achá-las duras demais, seja pela distância da família. Neste ano, 15 alunos foram expulsos, segundo o pastor Paulo Martini.
Martini refuta a ideia de que os jovens do internato vivem "descolados" da realidade. "Para muitos, temos um ambiente saudável e ideal para a formação e crescimento acadêmico, físico, sentimental etc. Nós vivemos longe de um grande centro urbano e para algumas pessoas isso já é diferente. (...) Ele não se expõe ao tumulto da cidade, do trânsito, neste aspecto está descolado da realidade."
A psicóloga da unidade Jessica Sousa Silva, que também passou por um internato durante sua adolescência, diz que mais do que qualquer característica individual do aluno, o que vai fazer ele se adaptar ou não ao modelo, é o significado de sua ida.
“Se ele está vindo para cá como uma aventura, uma descoberta, a probabilidade que ele tenha esse período de experiência como algo positivo, vai ser muito maior. Mas se ele vier para cá como punição, a possibilidade de que ele vivencie isso como uma experiência aversiva é muito maior", diz a psicóloga.

Internatos

Não há dados oficiais do Ministério da Educação (MEC) sobre escolas que funcionam no regime de internato, porque o censo escolar não coleta este tipo de informação. A rede adventista informou que possui 4.591 estudantes de ensino médio e graduação que moram e estudam no mesmo lugar. Eles estão em 16 instituições espalhadas pelo país.
"O Brasil possui algumas federais agrícolas em regime de internato em Minas Gerais e Santa Catarina, mas é uma proposta diferente, porque eles não assumem a responsabilidade pelo aluno assim como fazemos", diz Paulo Martini, diretor-geral da instituição.

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